Para aqueles que como eu nasceram na década de 70, o Lancia Stratos HF foi com certeza uma referência e marcou o imaginário de muitos de nós. Fez parte da decoração de muitos dos nossos quartos, eu possui dois exemplares na minha garagem. Bem na verdade foram duas miniaturas! Verdadeiro ícone do mundial de ralis o Lancia Stratos HF desenhado pelas mãos do grande Marcello Gandini era inovador. Um estilo quase único que permitiu à marca italiana de fazer perdurar a mística à sua volta.

A competição automóvel sempre foi um vector de reconhecimento para as marcas automóveis e a Lancia sabe-o perfeitamente. O campeonato de ralis permitiu à marca transalpina promover-se na década de 60, o Lancia Fulvia era um autêntico vencedor. No entanto com a chegada de novos concorrentes cada vez mais agressivos o campeonato está cada vez mais disputado.
Automóveis como o Alpine A110, o Porsche 911 e o BMW 2002 tornaram a vida difícil ao Lancia Fulvia, que por sua vez chegava ao fim da sua carreira. Pelo que há que reagir!

Isto era sem contar com as sérias dificuldades financeiras sentidas pela Lancia, fruto de uma má gestão. À beira da falência, esta será salva “in extremis” pela FIAT em 1969. Disposta a investir dinheiro fresco para o desenvolvimento de uma nova gama de modelos, a FIAT tinha como objetivo voltar a pôr a marca no topo em termos comerciais e desportivos, transformando-a na marca “premium” do grupo. Será precisamente no sucesso desportivo que a Lancia conta apostar para se relançar.
Um projeto ambicioso
O projeto é deveras ambicioso, pois geralmente os automóveis participantes no campeonato de ralis derivam diretamente dos modelos de série. A Lancia decide enveredar por outro caminho e criar um modelo estudado originalmente para participar na dita competição. Depois de observar as principais características da concorrência, chega-se à conclusão que o novo carro deverá ser preferencialmente de motor central traseiro, ter um chassis leve e resistente e uma carroçaria em fibra como o francês Alpine A110.

Com o objetivo de apresentar algo de moderno e inovador vai fazer-se apelo à Bertone e o seu reputado designer Marcello Gandini. Em 1970 Gandini propõe um 1º protótipo no Salão de Turim. Se bem que o Stratos Zero está longe da versão definitiva, este deixa antever as linhas mestras do futuro modelo e de certa forma antecipa aquele que será considerado como uma das obras-primas de Gandini — o Lamborghini Countach. Será necessário mais um ano de trabalhos para se apresentar um novo protótipo, este sim mais próximo da versão definitiva.
Um motor Ferrari
Tendo entregue a tarefa estilística à Bertone, a Lancia vai poder concentrar-se no desenvolvimento e escolha do motor. Não possuindo um motor com potência suficiente na sua gama, o construtor vai interessar-se às motorizações existentes no grupo FIAT.

Foi por esta altura que Ugo Gobetto, responsável pela Lancia decide contactar a Ferrari para lhe ceder o motor V6 do Dino 246 GT, que para além de ter potência suficiente este adaptava-se perfeitamente à posição central traseira requerida para o Lancia Stratos. A Ferrari acaba por aceitar depois de várias peripécias e de alguma relutância por parte da FIAT.

A partir de 1972, começam os primeiros testes em várias provas do campeonato, que demonstram alguns problemas aerodinâmicos os quais terão de ser retificados. Por esta altura, o programa desportivo sofre ainda outro revés com a modificação do regulamento de homologação do grupo 4. A partir de agora são necessários a produção de pelo menos 400 unidades civis para poder homologar o automóvel no campeonato.

A Lancia não contava com isto, pois o número de motores disponibilizados pela Ferrari eram limitados e a versão civil do Stratos tinha obtido autorização para vender-se apenas em Itália, França, Alemanha e Belgica. O Lancia Stratos HF Stradale viu ser-lhe negado o acesso ao mercado norte-americano por não ter realizado os “crash test” necessários.

Apesar das dificuldades, o objetivo é atingido sendo produzidas 401 unidades da versão civil chamada Stradale e 91 unidades da versão Corsa.

Na versão Stradale o Lancia Stratos HF desenvolvia a potência de 190 cv, situando-se entre o FIAT Dino (180 cv) e o Dino 246 GT (195 cv) equipados com o mesmo motor. Por sua vez, a versão Corsa dedicada à competição verá a sua potência ultrapassar alegremente os 200 cv, chegando mesmo a 480 cv na versão dotada de um turbo. O Stratos era um automóvel de ralis à moda antiga de tracção traseira, só anos mais tarde a tracção integral será popularizada pelo Audi Quattro Sport.
Nascido para Vencer.

Se a sua carreira comercial foi complicada, a sua carreira desportiva por sua vez, foi outra história. Esta foi muito mais convincente com a obtenção de três títulos mundiais em 1974, 1975 e 1976. E ainda três campeonatos da Europa em 1976, 1977 e 1978. Apesar da sua veia vencedora, incompreensivelmente o grupo FIAT interrompe abruptamente a brilhante carreira do Stratos para favorecer a participação do FIAT 131. O que acabaria por se revelar um erro estratégico que será corrigido anos mais tarde com a chegada do Lancia 037.

Com cerca de 500 unidades produzidas, escusado será dizer que encontrar no mercado um exemplar deste pedaço de história que marcou o campeonato de ralis e fez vibrar o coração de muitos aficionados é uma missão praticamente impossível.
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